fbpx

Alguém tem algo contra a esta união?

– Querida? Está quase na hora, vamos? – Disse Fatma, após bater e abrir a porta.

– A Elis ainda está colocando as flores no meu cabelo… E estou terminando umas coisinhas pelo smartphone.

– E o que ainda precisa terminar? – Perguntou-me.

– Calma, estou apenas escrevendo alguns e-mails.

– Você precisa parar de trabalhar… Até nesta noite está ai fazendo essas coisas? Estão todos te esperando lá embaixo. Está tão linda! Vamos, vamos que estão todos ansiosos.

– Nos dê só mais um minuto, já estou terminando com as flores.- Adiantou-se Elis.

Olhei-me no espelho, quase parecia humana com aquela maquiagem tão perfeita. O vestido gola alta, e mangas longas bordadas, um leve volume na saia. A delicadeza e elegância apresentavam-me totalmente diferente de quem já fui um dia. E naquela noite, era como se eu pudesse realmente sentir meu sangue quente outra vez, tamanha emoção e ansiedade. Passei pelo corredor, desci as escadas com calma e logo os vi me esperando.

Enzo veio em minha direção, pegou minhas mãos, as beijou. Beijou minha testa e juntos fomos até Antoni, que nos olhava com aquele olhar fraterno de quem admirava seus filhos. Todos os nossos amigos estavam presentes e demonstravam alegria, mesmo diante a palidez de seus rostos. Então, Antoni começou a celebração, dizendo:

– Queridos amigos e membros de nosso clã, estamos aqui, para anunciar à todos que Rebecca e Lorenzo se tornaram minhas crias legítimas, Lorenzo transformado por Rebecca em um de nós, e Rebecca transformada por meu irmão Thomas, os tornam de minha linhagem. Sendo, com isso, possivel eles deixarem de ser exilados e definitivamente estarem sob minha tutela e proteção. Além disso, esta noite se torna ainda mais especial, pois eu, como líder de nossa fraternidade abençoarei a ambos, conforme sua vontade manifestada de se darem um ao outro. Peço que nesse momento todos erguam suas mãos…

E assim, Enzo e eu viviamos algo inimaginável para ambos. Libertos, sem precisarmos fugir dos regrados e como dizem os humanos, casados. Após toda a celebração, uma festa madrugada a fora instaurou-se animadamente. Dançamos e bebemos em meio à muitas conversas e brincadeiras. Mas claro, desde a celebração eu senti a falta do meu amigo, que deveria estar lá para nos apadrinhar junto com Lili.

– Minha linda, nunca vi festa ou algo semelhante em nossos círculos, vocês aqui são realmente especiais. Parabéns por sua liberdade! Sei o quanto lutou por isso. – Disse Lilian, me dando um abraço apertado e nada delicado. – Você e Enzo estão lindos demaaais, eu amo vocês.

– Nós também te amamos. Obrigada por estar aqui, sabe como sua presença é valiosa para mim. 

– Eu sei… e escuta, ele não vem, pare de olhar para os cantos. Esquece isso amiga e aproveita sua festa. Você ficou bons anos sem aparecer ou ligar, quando entra em contato é pra um convite desses? É demais até pra ele. Eu quase cai para trás!! Então, imagina o quanto ele deve ter se irritado!

Dei de ombros, mas ainda tinha esperanças, haviam coisas a serem ditas. Se o meu convite havia sido demais, como eu comunicaria nossa decisão sobre os rumos da história de agora em diante?

– Testando, som!

A música continuava tocando, mas então Antoni pegou o microfone, os instrumentos e a banda pararam e ele logo foi dizendo para abrirem espaço no centro da sala. Me chamou, e uma valsa começou a tocar lindamente. Madrinhas revesavam Enzo e os padrinhos tiveram seus minutos para me mostrar suas incríveis habilidades de dança. Novamente aos braços do noivo, nossos olhos se encontraram, sorrimos, nos beijamos e eu estava pensando em que momento eu havia me tornado a Rebecca noiva apaixonada, quando de repente reconheci um cheiro no ar. Meus olhos mudaram de cor quase que no mesmo instante e Enzo percebeu minha inquietação.

– Poderia me dar a honra? – Ele disse ao se aproximar.

– Claro, você também deve dançar a valsa dos padrinhos. – Disse Enzo cedendo seu lugar.

Ferdinand tocou meus dedos até o anel que havia sido colocado horas atrás, olhou para mim, sorriu sarcástico e o outro braço, passou por minha cintura, ficando mais perto. Eu não consegui dizer nada, mas me sentia feliz com sua presença e ao mesmo tempo nervosa. Dançamos e então ele disse:

– Precisamos conversar, mocinha.

– Precisamos, mas por enquanto aproveite a festa. – Eu estaria com as bochechas coradas nesse momento, se pudesse.

– Essa “fantasia” que vestiu, te deixou ainda mais bonita. Mas senti falta dos seus cabelos longos.

– Gosto de mudar, e não estou fantasiada, mas obrigada. – Agradeci, pensando que tal agressividade não se justificava.

Enzo voltou para concluirmos a valsa, em seguida, avisei a ele e Antoni que sairia por alguns instantes já que era madrugada. Fiz sinal para Ferdinand que naquele momento tinha ido cumprimentar a Lilian e fomos caminhar pelo jardim. Enquanto caminhávamos o silêncio se tornava pesado, eu tinha coisas à dizer mas não sabia por onde começar. Então, comecei do começo:

– Olha Ferdinand, sei que você esperava um contato meu de outra maneira. Ou talvez não esperasse mais nada da minha parte em vista que ficamos tantos anos sem nos falar e você nunca me procurou. 

– Na verdade eu não sei em que ponto nos distanciamos. Não sei o que eu fiz. – Ele respondeu. – Apenas focamos em outras coisas e seguimos nossos próprios caminhos.

– Você tem razão. Mas tenho algo a lhe dizer, me senti descartada por você de certa forma. Como se eu só servisse para alimentar algum ego e do nada as coisas desandaram. Nosso erro, foi ter misturado e confundido quem éramos.

– Você se refere ao que? – Ele perguntou de forma fria.

– Me refiro a seu lado pirata.

– Você se arrependeu do que passamos naquela fase?

– Não, mas foi o que quebrou nossa amizade. Você era o irmão mais velho que eu não tive, mas tudo se tornou cada vez mais vazio, frio e distante. Percebi que nunca me senti realmente próxima, como sendo apenas uma peça de um jogo cheio de outras peças iguais que são largadas de lado no tabuleiro. Depois, algumas coisas chegaram aos meus ouvidos e fiquei confusa.

Ele não disse nada, ouviu em silêncio e não notei nenhuma expressão para concluir algo. Então ele disse: 

– Então, agora você tem seu próprio clã? O que vem depois?

– Parece que sim. Depois vamos nos preparar para cuidar de tudo por aqui. Antoni está cansado e planeja hibernar, o que me deixa triste, mas aliviada por não precisar mais fugir dos regrados. Mas precisamos aprender muitas coisas… Ainda vai um tempo. Enzo é jovem, mas muito responsável e aprende rápido, já se adaptou a sua nova condição.

– Entendi. E como tudo chegou até esse ponto? Eu queria realmente saber.

– Antoni nos convidou para passarmos mais um tempo aqui em 2017. Na época a intenção dele era novamente me convencer a liderar ao lado dele. Mas ele percebeu que Enzo já ocupava um lugar importante e eu não aceitei sua proposta outra vez. Então, Enzo e eu fizemos algumas viagens, voltei para meus negócios, tive encrencas com a máfia por causa das empresas em plena pandemia, algumas quebraram, quase perdi todo meu patrimônio e descobrimos algumas coisas bem pesadas nesse meio que me fizeram ver tudo de maneira diferente. Precisei da ajuda do clã para me livrar de alguns regrados e desses malucos mafiosos. Então eu disse a Antoni em algum momento que não aguentava mais aquela vida de fugas e confusões, cheguei ao ponto de pensar em hibernar para sempre ou até de me entregar aos regrados. Mas ele não deixou e nos acolheu, foi onde se tornou um verdadeiro protetor e ele passou a nos ver como filhos.

– Você poderia ter me pedido ajuda.

– Será? Eu não senti que podia. Mas agora que as coisas já estão resolvidas eu queria ao menos que você soubesse.

– Ok. Lamento e fico feliz por você, de verdade. E fico feliz por ter me procurado, apesar dos pesares.

– Obrigada, eu acho. – Nesse momento rimos de forma contida e fiquei pensando que apesar de estranho não parecia que haviam tantos anos de distância e nem tanta mágoa entre nós.

Continuamos a caminhada em silêncio. Eu guardava meus pensamentos. “Se eu queria que tudo tivesse sido de outra forma? Talvez. Em algum momento esperei mais? Talvez. Nem tudo acontece no tempo oportuno e com certeza existe uma razão oportuna.” Logo em seguida, vimos que todos saiam para fora, Enzo veio até mim e me puxou para ver fogos de artifício que estavam sendo lançados. Ao fundo, eu podia ouvir o som do mar, as risadas, conversas e o tilintar das taças. Num instante de distração, perdi Ferdinand de vista, quando me dei conta ele já havia ido embora outra vez.

Deixe um comentário